Somos todos viajantes de uma jornada cósmica, poeira de estrelas,
girando e dançando nos torvelinhos e redemoinhos do infinito. A vida é eterna.
Mas, suas expressões são efêmeras, momentâneas, transitórias.
Nós paramos um instante para encontrar o outro, para nos conhecermos,
para amar e compartilhar. É um momento precioso, mas transitório.
Um pequeno parênteses na eternidade. Se partilharmos carinho,
sinceridade, amor, criamos abundância e alegria para todos nós.
Esse momento de amor é valioso... VOLTAR
Minha casa é meu lugar.
Espaço onde fundeio, como o veleiro na enseada.
Tem jeito de rede, de varanda, de brisa.
Janelas abertas para o universo, por onde chega o céu
e tudo o mais que ele contém.
Por onde o sol se derrama
aos borbotões,
em ouro derretido.
E a lua
nua
amua
o trovador
e se desfila ao léu,
no céu,
o despudor
de seus encantos lassos,
fluindo e refluindo o mar,
na cheia e na vazante dos meus passos!
De onde espio estrelas solitárias em seu brilho triste,
ardendo em fogo aflito.
E por onde parto
e me parto
e me reparto,
para viagens no sempre, no infinito,
da solidão imensa do meu quarto.
Janelas que pendem sobre telhados e abismos
e rios que correm para o mar sem fim.
Janelas em perspectiva,
onde a alma descansa olhos perdidos,
nas estradas da vida, mundo afora.
Janelas cubistas, de traços agudos e oblíquos,
cônicos e polimétricos.
Janelas entreabertas, sonolentas,
bocejando abandono.
Minha casa tem silêncios pelos cantos,
que percutem as horas noturnas, como sinos,
marcando o passar do tempo, lá fora.
Porque, em minha casa, mesmo o tempo
é eterno.
Minha casa, meu cais.
Meu segredo, meu descanso.
Para curtir e recurtir os meus e os teus dias.
Nossos dias.
Não os do passado, mas os de hoje e de amanhã.
Que sejam como os da colheita,
de quem plantou e trabalhou a terra.
Dias de olhar o campo e ver o trigo maduro,
soprado pelo vento, em ondas.
Dias sem fim, de janelas ao sol,
de peixe frito na brasa, na varanda,
comprado ao pescador, direto, na praia.
Dias de lembranças,
de estender até tarde e falar tanta coisa,
espichando o tempo,
tomando vinho tinto devagar.
Dias sem relógio,
ouvindo o som do vento,
nós dois na rede,
conversando em silêncio,
os filhos já crescidos, pela vida.
Dias, enfim, de não mais ficar longe,
nem partir,
nem fugir,
nem machucar,
as mãos dadas, pelo mundo afora.
Por esses dias, esperei toda a minha vida.
Pelas horas que se alternam
a cada passo da lida,
por essa fuga sem volta
nesses espaços perdida,
pela morte que se espraia,
de desespero ferida,
nunca mais te quero ausente
da trama da minha vida...
Pela mágoa que me aperta
e me deixa a estrada nua,
e tudo que me deserta
quando perco a face tua,
por essa dor que se oferta
e me rasga a carne crua,
eu tenho a ferida aberta
sem bálsamo que a destrua...
Sem teu cheiro, sem teu jeito,
eis que morro sem você,
sem as mãos que com carinho
desfolharam meu viver,
sem o gesto dos teus olhos
que me livram do sofrer,
sem o beijo do silêncio
no berço do anoitecer...
No berço do anoitecer
sobre a plana da água fria,
quando o silêncio se agita
no luar de alvenaria,
molhando a face da treva
com lágrima de alegria,
como quem faz a saudade
transformar a noite em dia...
Por esse amante que espera
cair a máscara da lua,
e aquele louco que espreita
nos cantos da minha rua,
e essa dor que desperta
deixando minhalma nua,
eu morro na luz incerta
desta noite que flutua...
Pelo tempo que passou
batendo o sino do dia,
e pelo grito incontido
das almas que desafia,
por esse vôo suicida
nas janelas da agonia,
sem você eu me desfaço
e morro de nostalgia!
"Calquem aos pés nos conveses meus olhos arrancados" - Fernando Pessoa
Voltei de tempestades, cheguei de travessias,
vim do oceano, do maralto, dos abismos.
Tenho o corpo ferido em vento e mar,
a alma em fúria, o coração em fogo, o peito em dor.
Marinheiro andante, de rotas e derrotas,
trago as histórias que vivi, de portos e mulheres,
eu menino travesso, eu adolescente triste,
eu homem desesperado.
Meus pés têm o lanho de conveses rotos,
em navios sem rumo, pelos mares da vida.
E minhas mãos as marcas de pesadas enxárcias,
cabos trançados, espringues e lançantes.
Voltei de longe, de horizontes e ventos,
de madrugadas lentas e manhãs ardentes
e muitas horas de vigília em mastros oscilantes,
das noites negras de céu multiestrelado,
de plêiades e estrelas solitárias,
constelações e galáxias.
Vim de dunas, de alísios, de praias brancas imensas,
litorais ao longe, oceano infinito.
Vim de noites sem dormir em mar encapelado,
navios como nozes jogados entre ondas,
naufrágios e balsas, nenhum cais, nenhum porto.
E chego aqui, em tua casa, em teu porto, em teu cais.
E chego coração, alma, peito aberto,
na busca do repouso de uma tarde assim,
em brisa mansa e tépido convívio,
para saber tua presença, teu silêncio,
teu vulto de mulher que me enternece e encanta.
Deixei a casa que antes me abrigava,
no cálido silêncio do passado,
o branco dos lençóis, o verde dos jardins,
o cheiro bom de café, em horas matinais...
Deixei as sombras das gentis figuras
penduradas no céu da minha infância,
constelações e sonhos, estrelas e galáxias
noites e dias, luas, madrugadas...
Deixei os mares e navios inventados,
as viagens que fiz pelo mundo infinito,
das janelas aflitas do meu quarto,
na esperança de um dia partir afinal...
E hoje estou aqui, neste mundo de sombras,
os pés marcados de chão, de dor e morte,
nas ruínas do que fui, nas estradas sem sol,
cansado de partir, ansioso por voltar...
Quem sabe, ainda exista a mesma casa,
em lençóis e jardins, em silêncios e sonhos,
e eu possa chegar, me sentar na cozinha,
tomar café, falar de amor, ser menino outra vez...
Ontem
fundeamos nós dois, os braços como amarras,
no longo mar da noite,
debaixo de uma lua zenital, minguante
e fria.
Ah mulher!
Eu tenho ainda em minha boca
o gosto marítimo de tua boca perfumada
e em cada poro do meu corpo
o cheiro mágico do teu corpo fêmeo
a me excitar e me envolver
e me ferir, como tenazes de fogo.
Não partas agora, meu amor: é cedo,
a madrugada ainda tarda e um outro dia
há de chegar, quem sabe,
levando a lua fria,
um novo dia,
um novo tempo,
um novo caminho!
Aqui te amo.
Nos obscuros pinheiros o vento desenlaça.
A lua fosforesce sobre as águas errantes.
Dias iguais se perseguem.
A névoa se desenha em figuras dançantes.
Uma gaivota de prata se descola do ocaso.
Às vezes uma vela. Altas, altas estrelas.
Ou a cruz negra de um barco.
Só.
Às vezes amanheço, e até minha alma está úmida.
Soa, ressoa o mar distante.
Este é um porto.
Aqui te amo.
Aqui te amo e em vão te oculta o horizonte.
Estou te amando ainda entre estas frias coisas.
Às vezes vão meus beijos nestes barcos graves,
que correm pelo mar até aonde não chegam.
Já me creio esquecido como essas velhas âncoras.
São mais tristes os molhes quando a tarde atraca.
Minha vida se afadiga faminta inutilmente.
Amo o que não tenho. Tu estás tão distante.
Meu fastio faz força com os lentos crepúsculos.
Mas a noite chega e canta para mim.
A lua faz girar sua roda de sonho.
Me olham com teus olhos as estrelas maiores.
E como eu te amo, os pinheiros no vento
querem cantar teu nome com suas folhas de cobre.